Brilho roubado

Nos tempos de colégio, havia um grupinho que ficava antes (algumas vezes, durante) e depois da aula na galeria em frente à escola. Curtíamos violão, batíamos longos papos e adorávamos falar mal do "sistema". Adolescentes que éramos, nos posicionávamos contra tudo e à favor de nós mesmos. Mais do que os outros jovens, achávamos que iríamos mudar o mundo.

No meio desses amigos, tinha um que me apelidou carinhosamente de Prisma. Achava que meus olhos castanhos brilhavam muito. Apesar da física explicar essas coisas, gostei do apelido e de pensar que meus olhos brilhavam e refletiam mais luz que que outros olhos, outras vidas. Mas só me dei conta disso mais tarde.

Outro dia, me arrumando para sair, me olhei no espelho. Me assustei. Tinha sido roubada. Tinha sido violada. O brilho não estava mais lá. Arregalei os olhos - de susto e na tentativa de captar a luz artificial do meu abajur. Nada. Havia sumido. Como, para variar, estava atrasada neste semestre de fim de curso e produção de projeto experimental, saí às pressas e esqueci do assunto. Até aquele dia dentro do ônibus (É, minha sina é ônibus... Meu lugar de aprendizagem...)

A menininha, de roupas rosas e sapato verde limão, estava no colo da mãe, com os braços em volta do pescoço dela. Tava com cara de choro, choro de manha, sabe? Choro gritado para chamar a atenção. Natural em toda criança que já domina esse recurso hídrico que têm à sua disposição.

Seguindo viagem rumo à Pampulha, coloquei meu fone de ouvido e me distraí com a paisagem. Até o olhar daquela menininha me chamar a atenção. "Foi ela!", pensei. "Foi ela quem roubou meu brilho!". Era um olhar pós-choro, seus cílios estavam juntinhos devido às lágrimas derramadas, mas naquele momento, seus olhos tinham a capacidade de refletir toda a luz do mundo. Fiquei desconcertada.

Ela ficou me encarando. Eu não soube o que fazer. Ela me olhava com uma cara que eu poderia ter interpretado como "é, peguei, fazer o quê, né?...", mas nada disso importava. Toda a luz do mundo estava nos olhos negros daquela garotinha. Sem reação, desviei o olhar e comecei a pensar. Será que havia naqueles olhos infantis uma película transparente e luminosa que os fizessem brilhar daquele jeito? Será que nascemos todos com esta película, formada de sei lá, H20 e outras substâncias com capacidade refletora? Ou seria ela formada por uma espécie de alegria inocente, uma esperança descompromissada que vamos perdendo com o passar dos anos e decorrer da vida? Não sei...

Quando tomei fôlego e voltei de novo meus olhos constrangidos pelo olhar daquela menina, eles já não estavam mais lá. Já tinham se voltado outro lado. Agora, a menina estava distraída com o que se passava além da janela do ônibus, jogando seus holofotes em cima dos passantes, carros e vitrines de lojas. Iluminando um cenário qualquer. Um mundo qualquer. Um mundo que alguns de nós, munidos com alegrias não tão inocentes e esperança não mais tão descompromissada, ainda desejamos mudar. Ó!Olha o brilho aí de novo!...