sábado, julho 15, 2006

Conversas verticais e horizontais

Uma dia você aprende a diferença entre conversas horizontais e verticais. Sim, a direção de uma conversa muda tudo. É a direção da conversa que dá o tom, a densidade e, principalmente, o tempo de duração dela. E eu aprendi isso na marra. Mais especificamente, dentro do ônibus. No relato a seguir, você vai entender o que quero dizer.

1º Ato - Conversa Vertical. Dentro do elevador. Eu e o vizinho.
- Oi.
- Ei, tudo bom?
- Tudo jóia. E seu pai?
- Tá bem, tá bem...

[Pausa]

- Outro dia estava reparando no tamanho da Carol. Ela cresceu, né?
- Cresceu. Cresceu mesmo...

[Pausa]

- E este frio? Ninguém tava preparado para ele, né?...
- Nossa, nem me fale...
Portaria.
- Bom dia pra você.
- Bom dia!

Fim da conversa vertical. Tudo certo. Pois, normalmente, a conversa vertical não dura mais que um minuto. Só em alguns prédios em São Paulo. Prédios comerciais de 30 andares ou mais. Mas para esses casos, eles têm um manual próprio para isso. Em tópicos. Um barato. Coisa de primeiro mundo.

Mas meu problema começou quando encontrei com esse meu comum interlocutor de conversa vertical em um contexto de conversa horizontal. Veja o diálogo (ou quase isso) a seguir:

2º Ato - Conversa Horizontal. Dentro do ônibus. Eu e o mesmo vizinho. Alguns dias depois.

- Oi...tudo bom?
- Ei! Tudo... Você pega ônibus aqui?
- Pego. Todos os dias.
- Ah...

[Pausa]

Depois de passarmos pela roleta, sentados lado a lado (já que esses eram os únicos lugares vazios em todo o ônibus), a tentativa de um novo diálogo:

- E a Carol? - assunto recorrente em conversas verticais.
- Tá jóia. Tá na aula.

[Pausa]

- E seu pai? - ele tenta também.
- Tá bem também. Trabalhando com fotografia nos horários livres.
- Olha, que legal...

(Se esta fosse uma conversa vertical, já tinha acabado com a chegada do elevador na portaria. Mas, não. Esta é uma conversa horizontal. Conversa horizontal com interlocutor vertical).

- Até que deu uma esquentada, né?
- É. Melhorou um pouquinho. Daquele jeito não dava...
- É...

[Pausa]

- Você já formou?
- Já, já sim. Mas pedi continuidade de estudos. Continuo na universidade.
- Olha que bacana... Faz muito bem. Estudar é bom...

[Pausa]

- E sua irmã, já formou também?
- Sim, formou ano passado. Tá trabalhando em uma clínica aqui perto.
- Que coisa boa...
- E o João?
- O João tá estudando bastante. Adora a escola. É ótimo aluno.
- Ele tem cara de ser muito inteligente mesmo. Encontro sempre com ele na portaria, jogando com os amigos.
- É...

[Hummmm, quase... Mas, pausa.]

A gente se esforçou, mas os diálogos traçados acima se sucederam ao longo de 10 minutos. Pouco tempo para interlocutores de conversas horizontais, habituados com trânsito e trajetórias mais longas. Uma eternidade para interlocutores de conversas verticais. Por fim, graças aos nossos esforços, pela consideração à política de boa vizinhança, acabamos achando um assunto que rendeu o resto da viagem: intercâmbio. Falamos da situação do Brasil, das oportunidades de crescimento, do choque cultural, de experiência de parentes no exterior, enfim... alcançamos uma típica conversa horizontal. Por fim, ao descermos do ônibus, ele foi à padaria. Nos despedimos e eu fui caminhando para o prédio.

A pé, contente por termos engrenado uma conversa e ao mesmo tempo atordoada pela drástica (e não imaginava que seria tão drástica) diferença entre conversas verticais e horizontais, fui tomada por um pensamento: E agora? Como vai ser quando encontrar com ele no elevador, contexto de conversa vertical? Temos muito mais assunto agora. Já temos outros tópicos sobre os quais conversar além do clima e dos parentes. Já estamos aptos a desenvolver um diálogo com mais de 40 segundos e sabemos mais coisas e opiniões um do outo. E aí? Chamo para um café qualquer dia desses? Ou para um passeio de ônibus?...

Prefiro interlocutor e seu respectivo contexto de conversa fixos e inseparáveis. Dá menos trabalho. O mundo não está preparado para esta falta de direção.