segunda-feira, novembro 14, 2005

Caminho de casa

O ônibus estava cheio e eu voltava do serviço. O trânsito era pesado, como normalmente acontece nos dias de chuva. Não havia lugar depois da roleta e resolvi sentar ao lado daquele homem. Não sei ao certo se era um senhor de idade. A pele negra costuma rejuvenecer e disfarçar os anos corridos, mas ele já tinha passado dos cinqüenta, com certeza.

Apesar de gostar de observar os outros passageiros quando estou no ônibus, evito olhar para os que estão sentados ao meu lado para não acharem que sou meio psicopata. Só reparei que o homem ao meu lado estava lendo um livro. Tentei descobrir qual era mas não quis que ele se distraisse da leitura - acho desagradável ler por cima do ombro dos outros. Tanto para o primeiro leitor, quando para o leitor intrometido. Minha atenção acabou se voltando para estampas, sapatos e conversas altas dentro do ônibus.

Um ponto antes do meu, o senhor ao meu lado pediu licença. Me levantei para dar passagem e só então reparei que ele estava usando muletas. Reparei então, que ele estava com a barba meio grisalha por fazer. Que tinha os olhos claros, já cerrados - fosse pela força da gravidade ou pela gravidade da vida - mas parecia enxergar mais que os outros. Parecia enxergar além. Tinha os gestos firmes e seguros, mas trazia algo sereno em seus movimentos.

E então, naquele momento, imaginei porque ele estaria usando muletas. Se tinha sido um acidente doméstico, se era problema de saúde, se ele tinha sido baleado e estava se recuperando de algum ferimento. Me arrependi de não perguntar que livro ele estava lendo, de onde ele era. Se tinha família, se era daqui mesmo ou se vinha de algum lugar distante, mas imaginei que ele seria do tipo mais quieto, e renderia assunto comigo mais por educação. Nesta altura do percurso, ele já tinha descido do ônibus e eu já estava quase chegando em casa. Bendita seja a imaginação!, que encurta as distâncias e faz o tempo passar rápido.