segunda-feira, julho 21, 2008

Diga-me o que ouves

Engraçado, para não dizer assustador, o efeito que a música tem sobre nós. Sou do tipo de pessoa que está sempre ouvindo alguma coisa, sem saber exatamente o quê. Não tenho banda ou artista preferidos, não sou expert no assunto e não venha me perguntar o nome daquela música que tocou naquele seriado dos anos 90 pois a única coisa que vou fazer é cantarolar um pedaço várias vezes até a bendita grudar na sua cabeça igual chicletes. Abrindo um parêntese: só música ruim tem esse poder e tenho uma teoria de que esse tipo de mazela é igual a soluço - já deve ter rodado o mundo passando de um para o outro. Não me surpreenderia se ficasse sabendo que um hit da Tati Quebra Barraco, numa espécie de efeito borboleta, explodiu um vulção já extinto no Japão. Mas me faltam recursos para comprovar essa hipótese. Enfim... deixa pra lá.

Não curto axé, pagode ou música sertaneja (aliás, me divirto até hoje com a piadinha da espingarda de dois canos), mas me permito escutar todo e qualquer tipo de música desde que ela esteja de acordo com aquilo que estou sentindo, pensando ou em sintonia com o que quero dizer naquele momento. E isso significa abrir algumas exceções em meu gosto musical - sem mais detalhes para eu não me comprometer. No entanto, penso que existem duas formas de se classificar músicas: 1) as boas e as ruins; e 2) as que você escolhe e as que escolhem você. De acordo com essa segunda classificação, na primeira situação, você tem liberdade de escolha, na segunda, só te resta ser influenciado. E por isso digo: cuidado. Muito cuidado. Você é também o que você escuta. E isso pode ser fatal.

Lembro-me de estar com treze anos de idade chorando lágrimas ininterruptas pelo amor da minha vida que tinha se apaixonado por outra. Ele, o tal amor da minha vida, podia não saber da minha existência (ah, os doces e amargos amores platônicos!), mas o Bon Jovi e seu clássico "I'll be there for you" sabia exatamente o que eu estava sentindo e compartilhava dos meus fins de tarde cantando solitária em frente à janela do meu quarto.

Teve também a fase Nirvana, Megadeth, Faith no More, que nos inundavam hora com uma dose de "abaixo o sistema!", hora com uma melancolia misturada com uma pitada de alegria passageira que parecia não acabar. E o cd duplo do Smashing Pumpkins com a inesquecível "Tonight, tonight"? Se ele já não viesse com um buraco no meio, teria ganhado um pelas inúmeras vezes que rodou em meu discman nas longas viagens no banco de trás do carro indo visitar a família no Rio ou em SP junto aos meus pais e irmã. Sim, eu fui meio anti-social. Que adulto saudável não o foi?

Lembranças à parte, acredito que as músicas podem causar em nós todo e qualquer tipo de reação. Do choro contido à explosão de enforia de uma faixa à seguinte. E, raras vezes, como alguns mestres conseguiram, na mesma música. Algumas nos pegam pela batida (malditos funks!), outras, pela poesia, e há ainda aquelas que conseguem transmitir em versos o que está dentro de nós, por bem ou por mal, de Legião à Los Hermanos, passando por Ray Charles e alguns MC's. Seja puramente pela melodia ou pela letra, seja por ter sido escutada em um momento especial, acredito que muitas delas, ao invés de comporem um plano de fundo, deveriam ser protagonistas de muitos filmes e estórias. Aliás, sabe aqueles cartões insuportáveis que, quando abertos, tocam músicas natalinas em um tom bem estridente? Então, apesar das contra-indicações, acredito que a idéia tenha potencial. Livros deveriam ter trilha sonora. Cada capítulo uma, talvez. Pois música tem alma. E, mais do que falar por si só, fala por nós quando nos faltam as palavras.

Alguns vão mais além e consideram-na quase um ser dotado de necessidades vitais. Citando Kirsten Dunst no papel da aereomoça Claire no filme Tudo Acontece em Elizabethtown, "algumas músicas precisam de ar". E isso é fato. Quem nunca se viu acelerando o passo do nada, abrindo as janelas do carro ou pisando no acelerador ao som de "Canção Noturna" do Skank, "Whiskey in the Jar" do Metallica ou de "I'll take you back" do Jeremy Camp? Aliás, músicas como essas devem ser totalmente evitadas em congestionamentos em grandes centros urbanos, pois a necessidade não saciada de vento na cara pode gerar efeitos irreversíveis. Essas músicas incham dentro de quatro paredes ou portas e, se não liberadas, criam angústias permanentes. A outra opção, também não recomendada, involve a probabilidade de acidentes em vias públicas. Nos dois casos, recomenda-se terapia.

Lembro-me também de estar morando em Toronto e sair de casa cedo para pegar o metrô para ir ao curso no centro da cidade. Com os fones de ouvido à postos, tive que voltar pra casa para pegar um outro cd ao ficar sabendo que o metrô estava estragado e eu teria de ir a pé. Afinal, música para se escutar sentado é diferente de música para se escutar andando. E se você precisa chegar mais rápido, o tipo de música varia conforme a velocidade dos pés. Ou vice-versa.

Outro dia, na academia do meu bairro, enquanto eu fazia esteira com meu mp3 em mãos, um senhor simpático, tentando puxar papo (sim, ainda tenho surtos anti-sociais totalmente necessários à minha sobrevivência em comunidade) me perguntou: "Menina, esse aparelhinho mede o quê?". Sorri dada a inocência da pergunta e comecei com o Sr. Antônio uma conversa sobre novas tecnologias. Acabei por convencê-lo a comprar um desses aparelhinhos. Papo vai, papo vem, só depois percebi como sua pergunta inicial fazia sentido. Aquele aparelho mede meu humor. Minha respiração e meus batimentos cardíacos. Controla meus sinais vitais.

terça-feira, julho 01, 2008

Sobre champagne e torresmos

Engraçada nossa capacidade de reunirmos em nós mesmos várias coisas que, talvez, por si mesmas, não façam o menor sentido juntas. Há umas semanas, sexta à noite, estava eu em uma festa e, depois de me servir no buffet e pegar uma bebida, lá estava eu com torresmos no prato e uma taça de champagne na mão... A cena em que eu mesma me vi inserida e que, por que não?, involuntariamente criei, me fez pensar em como somos. Não em "cromossomos", mas em como somos mesmo.

Lembro-me de estudar na faculdade de jornalismo à respeito do "ser fragmentado". Sujeito estranho aquele. Um ser extremamente complexo, invariavelmente ambíguo e que, inserido em uma sociedade variada constituída por esferas de atuação interpostas, acaba se fragmentando como uma espécie de mosaico por meio de peças que, quem diria!, não se encaixam por completo. Muito abstrato? Tentemos um exemplo, pois:

O Pedro, morador da casa da esquina, é advogado e torcedor do Boca Júnior. Casado, com três filhos, com uma jornada de trabalho de 8 horas diárias, nas terças e quintas ele faz aula de balé de 7 às 8 da noite e chega em casa a tempo de ver luta livre com seu filho mais velho. Nas segundas e quartas ele sai do servico para jogar pôquer com a turma, mas não na sexta, quando sai do servico mais cedo para ir a igreja com sua mãe, viúva, tadinha.

Nos sábados de manhã ele leva seu Jaguar verde musgo para a calçada em frente a casa e lava-o ao som de Vando. Seu celular toca (uma música do Metálica em toques polifônicos que ele baixou na net, sugestão do Seu Ronildo, vigia da rua): é o primo chamando-o para ir a um show de blues. Ele vai, mas não antes de passar na Casa Verde, onde ajuda crianças cegas a fazer esculturas em madeira. Aliás, vez ou outra ele mesmo compra uma dessas esculturas para dar de presente a Rita, sua empregada há 6 anos, ainda jovem mas super católica que, nos tempos livres, quando não esta fazendo bico na clínica de aborto, lê a mão de Pedro e de sua esposa para que eles se preparem para o futuro, pois "não custa dar nada uma espiada, né?", ele diz.

Domingo é dia de correr na avenida do bairro, com meias caneladas até o meio da perna, camiseta regata "I love NY" e boné amarelo do Almodóvar para trás. Fim da corrida, ele entra no carro cujo vidro traseiro leva o adesivo da Herbalife ao lado de um outro do Che Guevara, já, desbotado, e vai pra casa ajudar sua esposa com o almoço: broto de feijão ao molho de ervas e queijo tofú. De sobremesa, sorvete se sonho de valsa com tubetes. Depois, de pança cheia, ajuda as crianças com o dever do dia seguinte e adormece no sofá de palhinha com a biografia do técnico Bernardinho ao lado do corpo.

Um tanto confuso? Talvez. Mas mosaicos tem mais chances de serem tomados como obras primas quando contemplados de longe. Talvez de perto não façam tanto sentido, afinal. Eu mesma já aprendi a não chegar muito perto do espelho, mas isso já é outra história.

Bom, voltando aos torresmos, a combinação citada no título deste post não foi muito feliz. Da próxima vez, combinarei-os com leite. Não ando muito boa do estômago, não.